segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Alice nas Cidades, 1974, Wim Wenders



Alice nas Cidades (Alice in den Städten)
★★★★★
Alemanha, 1974
Wim Wenders

Alice nas Cidades é o primeiro da trilogia de road movies realizado por Wim Wenders, seguido  por Movimento Falso (1975) e Reis da Estrada (1976), todos estrelados pelo ator Rüdiger Vogler. O filme é baseado nas viagens de Wenders às Américas e claramente influênciado pela cultura americana. Retrata a paisagem urbana e as diferentes interpretações apresentadas ao olhar humano. Não à toa Wim Wenders é fotógrafo, já que o tema essencial são lembranças metaforizadas por fotografias. As polaróides tiradas por Phil são representativas de uma experiência vazia em um mundo simbolizado pelo imediato. As imagens representam aquilo que preservamos em nossas mentes inconscientemente, as emoções vividas no instante em que observamos sob as lentes e apertamos o botão e não exatamente o que está sendo fotografado.


O repórter Philip Winter (Rüdiger Vogler) inicia o filme vagando pelos Estados Unidos em busca de histórias e impressões vivencidadas na viagem, porém Phil passa por um bloqueio e não consegue escrever nada. O personagem consegue apenas fazer imagens polaróides das paisagens, no entanto, ele passa por um desencontro consigo mesmo e perdido em seus próprios conflitos, fugindo de tudo que lhe parece fútil, do materialismo, do consumisto, da televisão e a massificação comercial.
São questões a serem discutidas até os dias de hoje. Como encontrar o verdadeiro sentido da vida em meio a tanta informação? Qual o significado da nossa existência em meio a tudo isso?


Após a decepção de não ter conseguido escrever suas experiências, Phil decide voltar para a Alemanha e surge um encontro inesperado com uma menina Alemã de 10 anos, que ocasiona ao personagem a tão buscada história, mesmo que ele só descubra isso no fim da viagem . Alice é um verdadeiro retrato da infância, age com espotâneidade em situações naturais, diferente de Phil, perdido em meio a seus pensamentos adultos.

Em dado momento Alice fotografa Winter, o reflexo dele batendo na foto ocasiona fusão pelo reflexo do rosto dela na foto dele simbolizando uma desconexão entre a realidade e a imagem. As identidades perdidas se tornam umas só, um rejeitado pelo mundo e ela pela mãe no mundo. Procurando um ponto de contato para Alice, um lugar onde possam se separar, sozinhos, eles passam a se entender e a se descobrir. A busca por um lugar onde a menina possa ficar é uma metáfora para Philip procurar um sentido em sua vida.  Por fim, Phil acaba descobrindo que não odeia realmente a cultura norte-americana que não trouxe inspiração. Ao deixar a menina sob cuidados da polícia, o personagem vai a um show do Chuck Berry e acaba se divertindo em meio a cultura americana.

Alice faz com que Phil se encontre, ela o proporciona uma interação com a rejeitada realidade.
Quando Phil e Alice encontram a mesma casa da foto, que foi da suposta avó de Alice, concretiza-se uma junção entre realidade e imaginário, desmentindo o que Phil afirma no início do filme "as imagens nunca mostram o que se viu', ainda que a casa já não seja mais da avó, a casa materialmente continua a mesma.
Encontrei com Alice nas Cidades a minha própria caligrafia no cinema. Muito mais tarde, tornou-se-me claro que, nestes anos que passaram, o meu trabalho oscilara entre dois pólos: os filmes a preto e branco sobre temas pessoais e os filmes a cores, adaptações de obras literárias.
Wim Wenders

Alice nas Cidades e Lua de Papel:
O filme me remeteu ao belíssimo 'Paper Moon', Lua de Papel de Peter Bogdanovich. O uso do preto e branco, a relação 'pai e filho', a rejeição, a estrada, duas crianças desempenhando um belíssimo e intenso papel. Deliciosas coincidências podem ser notadas em diversas cenas, como quando estão na lanchonete e em ambos os filmes, a criança afronta o adulto, mostrando-se mais madura perante as situações.



Lua de Papel, 1973
 Alice nas Cidades, 1974


Outra cena que remete claramente ao 'Lua de Papel' é a da cabine fotográfica. Embora em Lua de Papel o 'pai' não tire a foto junto com filha, observa a foto com a mesma melancolia que Phil.

Lua de Papel, 1973


 Alice nas Cidades, 1974

sábado, 29 de dezembro de 2012

Um Rei em Nova York, 1957, Charles Chaplin

Um Rei em Nova York (A King in New York) -
★★★★★
Reino Unido, 1957
Charles Chaplin

O longa foi o primeiro filme realizado após um longo período de exílio na Europa para fugir do encalço político sofrido nos Estados Unidos, onde o ator e diretor trabalhou durante quatro décadas. A perseguição política e ideológica insistia em acusá-lo de "agente do comunismo" e "artista subversivo", obrigando ele e a sua família a se distanciarem do país, isso bastou para que o ator-diretor fizesse uma crítica ácida, mas bem humorada aos EUA.
O filme mais rebelde de Chaplin trata-se de uma comédia farsesca sobre um monarca exilado por uma revolução, que chega aos EUA e descobre que todos seus bens foram furtados, mas além disso ele se descobre antiquado perante aos novos comportamentos da sociedade. Entretanto, em vez de adotar um discurso rabugento em relação ao presente, o filme prefere a provocação.
Em sua primeira saída pelo país, o rei Shahdov descobre o cinemascope e o rock and roll. Por meio dessa observação, Chaplin critica o culto às celebridades disseminado, à época, pela televisão. Shahdov, embora esteja pobre, ainda é tratado como rei e perseguido pela agente de publicidade e especialista em TV, Ann Key. A jovem angelical (Dawn Addams) seduz e defrauda o rei para que ele se submeta às inúmeras publicidades televisivas ao seu lado. Em nome de sua sobrevivência em um luxuoso hotel, o rei é convencido a aceitar o papel de garoto-propaganda se sujeitando até a uma cirurgia plástica para parecer mais jovem.
Na segunda parte o filme ganha um tom audacioso quando o rei encontra Rupet Macabee (Michael Chaplin), um menino de convicções esquerdistas que discursa um verdadeiro 'jato verbal comunista'. O garoto de 10 anos é o personagem sob o qual Chaplin apresenta toda sua malícia entalada na garganta, como a argumentação comunista e sua oposição ao marcatismo.
"Peça injuriosa e deprimente ao povo norte-americano? [...] Ao contrário, essa crítica em causa própria só engrandece seu cinema, suas artes, só dignificou o pensamento livre e a sua livre expressão, através do homem dos Estados Unidos.",
B.J. Duarte, Folha de S. Paulo, 9 de novembro de 1960.