segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Memórias, 1980, Woody Allen


Memórias (Stardust Memories)
★★★★★
Reino Unido, 1980
Woody Allen
 
Criada a partir de 8½, a obra mais confessional de Woody Allen, Memórias desenvolve a história sobre um diretor à beira de um colapso nervoso, que em seus devaneios imagina variações para a sua complexa vida amorosa. É o filme mais maluco e imprevisível do cineasta, o que para alguns pode ser motivo para empurrar a obra ao segundo plano da filmografia de Woody Allen. O grande mestre das neuroses filmicas registra sob a fotografia admirável de Gordon Willis, um pouco de todas as preocupações do próprio diretor, lançando um olhar satírico e encarando o alto preço da fama.

A obra mais hermética de Allen não deixa espaço para simplificações habituais. Completamente desnorteada, incompleta e perturbada, esta obra menos conhecida do cineasta entretém e brinca com as suas origens, não dá atenção a narrativa cinematográfia, apresenta personagens que saem de cena sem mais nem menos e prova que a sétima arte não necessita de coerência, é um mundo de pura fantasia e ilusão imaginativa.


Não por mera coincidência em Memórias, Allen interpreta Sandy Bates, um cineasta famoso por suas comédias de sucesso que recebe com espanto a péssima recepção a seu primeiro trabalho dramático. Na vida real, decepcionado com a imprensa e com a apática recepção da Academia de Hollywood a seu primeiro filme dramático, o drama Interiores, Allen desenvolveu um roteiro ácido sobre a relação entre cineastas e jornalistas, assim como seu complexo relacionamento com o público. Um alienígena do espaço lhe diz "Nós gostamos dos seus filmes. Principalmente dos primeiros, os engraçados", e leva um tiro de uma fã perturbada. Sobre a noção de celebridade, Allen responde no livro de Eric Lax; 'Conversas com Woody Allen':
'Certo. Acontece uma porção de coisas estrangas quando você é uma celebridade. Quer dizerm não é que venha uma garota dizendo: "Me dá um autógrafo no meio seio esquerdo". Mas dizem: "Os russos estão prendendo pessoas em hospícios, você pode ajudar?". Ou: "Pode me ajudar com isto aqui?". E como eu já comentei com as pessoas, Memórias foi feito antes de matarem o John Lennon, porque eu senti que havia uma sensação ambivalente entre o público e a celebridade. O público adora os famosos, e por um lado é muito mais tolerante com os famosos do que eles merecem ou ganham. Por outro lado, o púlbico adora quando a celebridade é difamada, e se diverte dizendo: "Ah, você precisa ler o que fulano disse sobre esse filme. Crucificou o diretor". O púlbico tem um sentimento ambivalente, e era essa ambivalência que aquele cara maluco sentia pelo John Lennon, ou aquela pessoa louca sentia pela Jodie Foster. Eles mitificam a celebridade e são também perigosos.
 Memórias encanta desde a sequência inicial em um preto-e-branco pungente, claramente felliniana: um homem (Woody Allen) tenta  desesperadamente sair de um trem em movimento, impedido por um grupo de pessoas com fisionomias excêntricas. Partindo dessa cena, Allen brinca com as imagens e com uma espécie de metalinguagem ao mesmo tempo melancólica e irônica. É impossível tentar evitar as comparações com a realidade vivida pelo diretor, assim como não rir com os diálogos mais inspirados de sua carreira. O filme harmoniza uma crítica ácida ao sistema a um humor dos mais inteligentes e engraçados da obra de Allen.

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